«Quando se mantém uma população de mais de dois milhões de pessoas sob cerco ao longo de dezasseis anos, amontoadas numa estreita faixa de terra, com profundas carências de emprego, saneamento básico, alimentação e água, energia, educação, sem esperanças ou perspetivas de futuro, como não esperar surtos de violência cada vez mais desesperados e brutais?»
Omer Bartov procura responder à questão sem deixar de considerar o bárbaro ataque do Hamas, mas também sem, frontalmente, deixar de encarar as políticas de ocupação e de cerco impostas pelo Estado de Israel e a recusa absoluta por parte do governo de Netanyahu em procurar encontrar uma solução para o conflito. Durante décadas, a solução adotada foi a de condenar todos os actos de violência perpetrados pelos palestinos, sob a acusação de terrorismo, escamoteando as raízes profundas das suas reações ao longo da história, cujas causas residem na emergência do sionismo, na ascensão do etno-nacionalismo judaico, que culminou com a criação de Israel em 1947, e, desde então, com a imposição de um regime militar e colonial de ocupação do território e de destruição do povo palestino.
Para Bartov, trata-se, pois, de «situar os acontecimentos atuais no seu real contexto histórico e diagnosticar com a máxima precisão possível» as causas que persistem em negar os reais fundamentos políticos que comandam a retórica assassina e as ações de retaliação brutal e desumana de Israel contra os palestinos.
Atualmente, insiste-se no «erro de diagnóstico» de fomentar a violência dos discursos e das declarações dos mais altos responsáveis israelenses, cujo único propósito visa justificar e intensificar a campanha de destruição e erradicação total dos palestinos da Faixa de Gaza. As declarações extremistas não diferem assim da brutalidade dos bombardeamentos, das mortes e da destruição maciça das instituições e infraestruturas existentes no terreno. Na verdade, a despeito do desastre humanitário em que vivem os palestinos, Israel continua a sua brutal campanha militar sem qualquer perspetiva de plano político. Como afirma Bartov, as declarações e as ações de destruição consistem, pois, «em preparar o terreno para o que poderá muito bem tornar-se um massacre maciço, uma limpeza étnica e um genocídio, seguidos pela anexação e colonização de todo o território». Assim, adverte, com veemência, «contra um potencial genocídio antes que este aconteça», sob pena, depois de ele ter ocorrido, de o virmos a condenar tarde de mais. A advertência emana de um reputado especialista na matéria.
O facto do Estado de Israel se recusar a reconhecer as causas políticas mais profundas da situação atual e de reiterar argumentos ideológicos e estereotipados sobre a barbárie palestina, árabe e muçulmana ? o eterno e crescente «antissemitismo», o perigo existencial em que o país incorre... ? impedem-no, na realidade, de ver o que a matança em curso pode trazer de terrível para si mesmo. Como afirma Bartov: «a ilusão de fazer desaparecer o outro lado, ou de o subjugar e oprimir indefinidamente, só pode produzir novas violências e agravar a brutalização de ambos os lados.
Porque a catástrofe em curso só pode vir a piorar o existente, a simples afirmação de uma vontade de chegar a acordo tem o potencial de transformar o paradigma». Trata-se, então, de «compelir Israel a pôr fim às suas políticas de ocupação e opressão de outro povo e a procurar soluções criativas para uma coexistência ? seja mediante o estabelecimento de dois Estados, de um só Estado, ou de uma estrutura federativa ? que possa garantir a dignidade humana, a igualdade de direitos e a liberdade de todos».