Neste romance impactante, Fernando Rinaldi rege um coro de vozes com maestria, os gestos precisos construindo a linguagem (im)possível da ausência com palavras que atravessam os personagens para tocar na dor que os constitui e expor as fraturas de perdas irremediáveis.
O psicanalista Hélio começa a escrever um diário depois de perder o único filho, Heitor. À medida em que mergulha na ficção na tentativa de elaborar o luto, o pai recria Eitor, cuja falta ecoa no próprio nome. Ao mesmo tempo, convoca o próprio Heitor a se narrar como filho de Élio, o pai que nunca existiu. Nas imagens esboçadas nesse espelho de ausências, pai e filho se reinventam em ficções que refletem a fragmentação da própria literatura e do mundo, esfacelamento semelhante ao que experimentam enquanto personagens percorrendo os labirintos de uma dor que não encontra pouso nem vislumbra saídas.
A mudez do H reverbera nas escritas do pai e do filho, e se concretiza na voz que abandona a prodigiosa Helena: a amiga de infância, festejada como cantora-revelação, chega à adolescência como Elena, e já não consegue cantar. Silenciam também Dóris, amiga de Heitor, que percorre a narrativa com sua presença ausente, em coma; e Ísis, a mãe enlutada que segue em turbulenta quietude, a morte do filho calando as palavras que ela reencontra, pouco a pouco: também a morte não existe sem literatura.
Nas camadas que se aprofundam ao longo do livro, mergulhamos no fluxo vertiginoso de histórias sobrepostas, onde já não importa saber o que é ou não verdade. Como em uma música de palavras, este Dueto dos ausentes encena o que só a melhor literatura consegue nos fazer ouvir.