Entre a aula de flauta da filha e a hora do judô online do filho, uma nova experiência de maternidade. Nova, também, a imagem do marido que parecia ótimo em doses homeopáticas, e tudo menos ótimo naqueles dias que duravam muito mais que 24 horas. Para alguns, a delícia de se trancar em casa sem culpa, com alvará permanente liberando dos almoços na casa da tia. Para outros, a tristeza dos bares fechados, a cerveja solitária maratonando séries enquanto a vida e o sexo seguiam congelados.
Com personagens que lembram o vizinho ou o amigo íntimo, em cenas que podem ter acontecido dentro de nossas casas, Flávia Braz faz da crônica um ofício literário, transformando em ótima ficção a realidade de um tempo por si só distópico.
Um copo meio cheio e outro meio vazio se alternam nas histórias dos que desfrutaram do intervalo forçado para ler todos os clássicos, arrumar armários ou finalmente organizar os álbuns de fotografia, e de quem teve que se dividir (multiplicar?) com um olho no aspirador-robô e outro nos quadradinhos das incontáveis reuniões de trabalho, sempre com uma panela a postos para ser levada ao fogão ou à janela - de um jeito ou de outro, todos passaram pela anormalidade do novo normal. Com o humor enredando a melancolia nas entrelinhas, a autora nos faz rir dos dias em que cada um conviveu com o absurdo à sua maneira, e dá conta da façanha de retratar uma época tão pesada com leveza, a linguagem afiada e o olhar cirúrgico recortando momentos em que a realidade se provou irreal.
Com um sorriso largo, que agora se atreve sem máscara, cada leitor há de se reconhecer em uma ou mais páginas destas crônicas da pandemia, um tempo que passou lento e já parece distante, mas do qual dificilmente vamos nos esquecer. Por isso, não tem como chegar ao final do livro sem voltar ao título: quem foi você na fila da quarentena?