Ao analisar a cultura memorialista dedicada ao Holocausto dos judeus na Alemanha, Masha Gessen observa como o Estado alemão, sob imperativo da consciência e da expiação, passou a adoptar medidas legislativas «para proteger as vidas dos judeus da Alemanha», perseguindo posições ou declarações de antissemitismo. Observa ainda como, a partir de 1990, com as obras, os grandes e pequenos monumentos, os museus de Berlim, a intenção original se cristalizou e imobilizou numa imagem «dogmática» da memória e da história. É o caso da obscura definição de antissemitismo da IHRA e das medidas de combate ao mesmo, que, ainda que desprovidas da força de lei, manifestam sérios equívocos sobre o que se entende e preconiza, ao considerar como antissemitas tanto declarações que «des-singularizam o Holocausto» como críticas ao Estado de Israel. Ocorre, por esta via, que a apropriação oportunista e cínica da extrema-direita, delas se serve para inflamar os discursos populistas contra os migrantes e os muçulmanos, e censurar a ação de artistas e manifestantes judeus.
Neste contexto de ambiguidade, o/a autor/a, a partir da sua própria condição de descendente de judeus na Polónia, descreve e analisa os usos contraditórios e desviantes da memória do Holocausto, recorrentes na prática do exercício político e diplomático, que junta as posições do governo israeleneses com as dos europeus. Mas é sobretudo quando compara a situação vivida no gueto de Varsóvia com o «gueto» de Gaza, que irrompe o motivo da sua crítica, ao considerar a cultura memorialista do Holocausto na Europa como um dos meios políticos responsável por turvar e ofuscar o mundo ocidental sobre o que verdadeiramente se passa na Palestina.